A INTELIGÊNCIA FINANCEIRA NO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO

INTELIGÊNCIA FINANCEIRA


A compreensão dos mecanismos de movimentação financeira e das formas de rastreamento do capital que aprovisiona as variadas espécies de organização criminosa é imprescindível para o eficaz combate à criminalidade. Existe um axioma que
bem traduz o papel do capital no universo criminoso ao apregoar que o dinheiro é o sangue vital da atividade criminosa e, neste diapasão, o processo de lavagem do capital seria o coração e os pulmões de todo o sistema delitivo, porquanto permitem que o dinheiro seja depurado e colocado em circulação pelo organismo todo, garantindo assim sua saúde e sobrevivência.

Trata-se de uma realidade internacional que transcende a natureza dos pequenos delitos, estando inexoravelmente ligada a poderosos grupos organizados e transacionais.

Assim, o combate à movimentação financeira e à ocultação patrimonial é um imperativo no enfrentamento das organizações criminosas, eis que a atuação do Direito Penal com seu famigerado poder sancionatório já se revelou absolutamente improfícuo, inoperante e vão.

Decerto, a prisão dos membros de uma organização criminosa, por si só, é uma medida ineficaz, afinal, assim como nas grandes empresas, as pessoas (empregados/colaboradores) podem ser substituídas sem prejuízo para o bom funcionamento da corporação ou da atividade produtiva. Ainda que se trate de funcionários de alto escalão, como diretores, gerentes ou coahes, a substituição do componente humano em uma corporação não inviabiliza a sua operacionalidade. Contudo, sem o capital a organização falece. Não existe empreendimento que subsista sem o arrimo financeiro. Esta máxima aplica-se perfeitamente às organizações criminosas. A prisão dos delinqüentes, isoladamente, não tem efeito profilático no combate à atividade delitiva já que o criminoso não é insubstituível, mesmo que se trate de um líder emblemático e influente. Se não houver a descapitalização da organização através do confisco patrimonial a empreitada criminosa seguirá o seu curso como um rio perene.


CONCEITO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA

É a coleta e análise de informações financeiras e patrimoniais com o objetivo de identificar transações suspeitas, produzir provas criminais e/ou localizar bens, vantagens, direitos e valores provenientes direta e indiretamente de crimes.

RELEVÂNCIA DA INTELIGÊNCIA FINANCEIRA

Especialistas no mundo inteiro asseveram que a inteligência financeira tronou-se um dos mais importantes instrumentos para o combate ao crime organizado, sobretudo diante das contingências advindas do processo de globalização que franqueou ao capital internacional uma mobilidade sem precedentes no mercado mundial.

O sistema financeiro internacional e, especialmente os paraísos fiscais com seu elevado grau de permissibilidade, além de fomentarem a alta volatilidade do dinheiro, adicionaram o anonimato que, no solo fértil da grande rede mundial de computadores, a internet, potencializou o surgimento de um cenário estimulante e completamente propício para a prática da lavagem de dinheiro.

É neste contexto que a inteligência financeira assume um papel primordial como ferramenta de combate ao crime organizado, revelando-se em quatro aspectos fundamentais:

1.                 Possibilidade de se subjugar a atividade criminosa atingindo diretamente as organizações através da sua descapitalização e anulação do lucro obtido por suas atividades ilícitas;

2.                 Possibilidade de rastreamento das ações das organizações criminosas e identificação dos seus agentes através do acompanhamento dos fluxos de capital movimentados pelo crime organizado;

3.                 Possibilidade de ressarcimento do erário através do retorno aos cofres públicos dos bens, dinheiro e valores provenientes de fraudes contra a Administração Pública;

4.                 A possibilidade de confisco para o Poder Público de bens, dinheiro e valores oriundos de atividades criminosas.


A INTELIGÊNCIA FINANCEIRA E O COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional, o dinheiro lavado no planeta pode ser estimado em cerca 2% a 5% do PIB mundial. Sendo o PIB mundial em 2011estimado em 70 trilhões de dólares, o dinheiro lavado no mundo anualmente alcança a cifra de 3,5 trilhões de dólares.

Diante desta realidade dramática, o investimento internacional em inteligência financeira vem recebendo grandes aportes anualmente, sempre com vistas à neutralização de atividades criminosas potencialmente lesivas e, obviamente, buscando os retornos financeiros proporcionados pelas ações resultantes da atuação das unidades de inteligência financeira.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, houve um significativo aumento da preocupação com a inteligência financeira, uma vez que foi constatado que os mecanismos utilizados para o financiamento do terrorismo eram também usados pelas organizações criminosas. Esta nova ordem mundial estabelecida no final do século passado impulsionou o desenvolvimento, em escala mundial, de estratégias e medidas para conter a ameaça que se agigantava, colocando em estado perigosamente vulnerável a segurança e os negócios bancários.

Foram criadas várias organizações internacionais para combater a lavagem de dinheiro, destacando-se a Força Tarefa de Ação Financeira, (FATF), criada pelo G-7 em 1989, sendo constituída por 33 países, inclusive o Brasil. Seu trabalho mais conhecido são as “40 Recomendações” que devem servir de paradigma para os países criarem sua legislação e programas contra a lavagem de capitais.

A Força Tarefa de Ação Financeira empreendeu esforços para viabilizar a criação das Unidades Financeiras de Inteligência FIU (Financial Inteligence Unit), que são agências nacionais responsáveis por coordenar o combate à lavagem de capitais.

No Brasil, o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras – é a entidade destinada a desempenhar esta coordenação, constituindo-se, portanto, na unidade de inteligência financeira brasileira. A missão do COAF é impedir que o sistema financeiro seja utilizado para a lavagem de dinheiro.

A atuação do COAF se caracteriza pelo cruzamento dados financeiros com informações de diferentes bases, buscando, assim, identificar operações atípicas que integrarão um relatório a ser encaminhado para as autoridades competentes (Ministério Público, Polícia Federal etc.).

A Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei 9.613/98 estipulou obrigações (manutenção de cadastro atualizado de clientes, comunicação de operações suspeitas etc.) para determinados setores da economia brasileira considerados potenciais domínios para a reciclagem de capitais. Tais setores, como bancário, imobiliário, bolsa de valores, seguradoras e corretoras de seguro, administradoras de cartões de crédito, pessoas físicas ou jurídicas que negociam bens de luxo ou de alto valor ou que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades, alimentam os bancos de dados do COAF. Por meio do cruzamento das informações recebidas dos setores mencionados, o COAF realiza uma análise com escopo de se detectar sinais de alerta. Uma vez identificada a transação suspeita, o COAF elabora um Relatório de Inteligência Financeira – RIF e, posteriormente, difunde para as autoridades competentes.

A atuação do COAF no combate à lavagem de dinheiro é digna de aplausos. Aliás, o Brasil destaca-se no cenário mundial no que tange às ações de seus órgãos no enfrentamento da reciclagem de capitais. O Banco Central, por exemplo, possui um banco de dados cadastrais de clientes que supera os Estados Unidos. Para se obter informações de correntistas no Brasil, basta que a autoridade policial apresente a qualificação da pessoa ou simplesmente o CPF, porque o BC possui o cadastro completo de qualquer indivíduo que mantenha relacionamento com alguma instituição bancária dentro do território nacional. Já nos EUA  é necessário que a Polícia ou o Ministério Público apresente informações bem mais completas, como a qualificação do investigado, a instituição bancária e o Estado americano em que a conta é mantida. Lá não existe um órgão que centraliza as informações como no Brasil.

Outrossim, merece destaque a atuação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI – ligado ao Ministério da Justiça. Através do trabalho desenvolvido pelos profissionais do DRCI, o Brasil conseguiu repatriar e ressarcir os cofres públicos com milhões de dólares remetidos para o exterior por lavadores de dinheiro. Inclusive valores mantidos em paraísos fiscais. Personalidades como Paulo Maluf e Nicolau dos Santos Neto são exemplos de pessoas que tiveram dinheiro no exterior bloqueado e/ou repatriado pelo DRCI.

Com efeito, não podemos ignorar o grande anacronismo que acusamos em nossa empreitada contra o crime organizado, sobretudo se comparados aos sistemas legais mais evoluídos da Europa. Todavia, o Brasil está trilhando o caminho certo e pode se orgulhar porque possui algumas ilhas de excelência quando o assunto é o combate à lavagem de dinheiro.

Até a próxima

Humberto Brandão

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